quarta-feira, janeiro 19, 2011




Lembro-me do lugar como "florzinhas".
Alguém dava a senha, que naquele tempo podia ser dica, ou sugestão; e imediatamente a resposta vinha em coro: "Vamo! Vamo"!
A gente largava o que estava fazendo e saía como se fôssemos ao melhor lugar possível para a ocasião.
Era perto do que hoje conhecemos como BH Shopping. Nos arredores do local, onde este enorme centro de compras foi construído, anos depois.
Era um terreno largo, sem cercas, sem casa, sem nada. Nada além das "florzinhas". Como estas, da imagem ao lado.
Pisávamos sobre o mato, mas nunca sobre elas.
Nossas "florzinhas" tinham um encantamento qualquer. Mas nunca falamos sobre isso, nenhum de nós. E olha que éramos muitos! Uns seis, ou sete amigos, sempre.
Enchíamos uma C 14. Um carro da Chevrolet, bem grande, muito espaçoso.
Naquela época a Polícia Rodoviária não era tão rigorosa, e acho que nem via a lotação que impúnhamos ao carro. Sim, porque as "florzinhas" nos faziam pegar estrada para visitá-las!


Chegávamos lá sempre quase ao entardecer. Era nosso horário preferido, e o "delas" também.
Acho que o "encantamento" era o mesmo daquele que experimentamos na chamada "Hora do Angelus", quando a luz do sol vai caindo, e algumas rádios tocam a Ave-Maria de Gounod.


Abríamos o capô da C 14 e deixávamos a música pairar sobre aquele mágico campo florido.
Ficávamos mudos um tempo, não sei de que tamanho, ou se provocado por um de nós.
Alguém diria: Vamos nos calar por um tempo? Não, acho que não...Não consigo me lembrar deste recado partindo de nós. Ficávamos quietos porque "elas" queriam assim :
as nossas "florzinhas"!...
Queriam compartilhar a música, dançar ao vento, correr por um momento que fosse, aqueles seus muitos olhinhos de miolo amarelo, sobre cada um de nós.
Queriam nos ver reunidos às suas manias de flor. Como por exemplo, a mania de serem tão próximas. Uma por todas e todas por uma, sem distinção.
Mas aprendemos também, a respeitá-las como singulares manifestações de uma pluralidade, de um cenário vivo.
E hoje, quando muito, seríamos ainda seus discípulos. Apressados em chegar, e melhorados ao deixá-las.
As "florzinhas" eram mestras em silêncio e delicadeza. Não saiam do lugar, mas dançavam.
Não falavam, mas eram palavras ao vento, todo o tempo. Não pediam nada, mas impunham seus limites, claros. Não tinham qualquer soberba, mas eram "florzinhas" como ninguém.


Um dia, não fomos mais, não sei por quê.
Talvez porque nem todas as lições acabassem alí, onde buscávamos alguma coisa que não nomeávamos, mas que seria amor, contentamento, paz...
Acho que hoje não saberia mais apontar onde estavam as nossas "florzinhas" de então.
Mas quaisquer flores do campo, estejam aonde estiverem, têm um pouco de toda aquela sabedoria de flor, e podem fazer com "gente" o que nós sentíamos que aquelas "florzinhas" faziam por nós.


                       
                                       "Eram florais"
                                             de Rosângela Monnerat

2 comentários:

  1. Que linda história!

    As "florzinhas" cumpriram muito bem o seu papel, o das lições que você aprendeu e hoje nos brinda com sabedoria de flor

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  2. Muito lindo, sensível, esses simples sossegos e harmonia que sentíamos e aprendíamos com as pequenas grandes manifestações da natureza. Pois é, passamos a buscar tantas razões e explicações, aceleramos a vida e esquecemos de vivenciar todas essas etapas. Abraço/ney.

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